sexta-feira, 28 de maio de 2010

Linguagem, o retrato real de uma sociedade.

Um dos conceitos mais importantes de Marx, a ideologia, é abordado por uma das maiores autoridades do marxismo no Brasil, Leandro Konder. Ele discorre sobre o conceito marxista e sua influência na construção do conhecimento em seu livro “A questão da ideologia” 1ª Edição 2002, Companhia das Letras, 280 páginas.

Certo de que “Um dos campos de observação mais ricos para o observador dos fenômenos ideológicos é, com certeza, o da linguagem”, cujos termos “põem a nu os valores das sociedades que os criam e os mantêm vivos”, pois “Ela não é só o meio pelo qual nos comunicamos e nos expressamos; é também, decisivamente, um elemento constitutivo do que somos. Uma revelação – sempre surpreendente – de como somos e como podemos nos tornar” e ainda convicto de que “É na linguagem, certamente, que se acham as chaves para a compreensão de alguns dos aspectos mais significativos da questão da ideologia”; o professor do Departamento de Educação da PUC/RJ e também do Departamento de História da UFF dedica o décimo - quinto capítulo da obra ao tema Ideologia e linguagem.

Unindo seu vasto conhecimento filosófico a sua capacidade avaliativa da linguagem, o filósofo parte de percepções menos teóricas de manifestações de distorções ideológicas na linguagem, tal qual a observação etimológica de alguns termos que na sua transição para outros idiomas tem o seu significado moldado por ideais presentes na sociedade que os utiliza; para, então, colocar seus leitores diante de importantes considerações teóricas sobre o nexo da ideologia com a linguagem, desenvolvidas por três pensadores – Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin e Jurgen Habermas.

Benjamin cuja teoria é de cunho “inequivocamente teológica” dizia haver a linguagem das coisas, de uso predominantemente criativo, e a linguagem dos homens, predominantemente comunicativa. Para ele “A criação de Deus se completa no momento em que as coisas ganham o nome delas, dados pelo ser humano”. A linguagem não seria, portanto, meramente funcional, “havia algo de essencial na dimensão nomeadora da linguagem, no poder que se manifesta na invenção dos nomes”. Para o teórico, substituir o uso criativo, inovador da linguagem pelo uso meramente comunicativo era, num primeiro momento, o pecado original do espírito lingüístico cometido pelo ser - humano. Porém, depois de sua aproximação ao marxismo, essa degradação da linguagem passou a girar mais entorno do ideal capitalista advindo com a ascensão da burguesia ao poder, “avassaladora transformação tendencial de todas as coisas em mercadorias”. Ele sustenta que a nova organização da sociedade foi afastando a linguagem de uma “certa magia que tinha nas suas origens”. E afirma que, por um lado, as inovações foram submetidas a critérios comunicativo-utilitarios e tornaram-se provenientes apenas de campos específicos, tecnológicos e pragmáticos; e, por outro lado, “o uso mais livremente criativo das palavras ligadas aos sentimentos vividos e as tensões da subjetividade ficou mais ou menos relegados a espontaneidade das crianças ou a audácia dos poetas, dos artistas”.

Mikhail Bakhtin discorda de Benjamin no que tange a criatividade lingüística. Para ele a linguagem estava sendo criada constantemente e o povo, os falantes, era quem desempenhava, ainda, o papel fundamental no processo. Bakhtin defendia que a objeção ao processo de coisificação da linguagem estava amplamente enraizada na fala das camadas populares, defendendo até mesmo que os palavrões, por exemplo, contribuíam para a criação de uma atmosfera de liberdade de criação lingüística e que o riso impedia a estratificação das expressões ideológicas sérias.

A teoria de Jurgen Habermas, por sua vez, apresenta objeções a de Bakhtin. Ele diz que para compreendermos com alguma objetividade a nossa realidade social devemos observar não o indivíduo, que é cheio de subjetividade, mas sim na interação que ocorre entre os indivíduos, sendo assim uma interação entre suas subjetividades. Diz também que não é a linguagem que determina a práxis humana, de outra forma a realidade vivida pelos indivíduos é que interfere em suas falas.

Leandro Konder encerra o capítulo definindo linguagem como um pré-requisito para que uma comunidade tome consciência da sua identidade e reconhecendo sua importância na compreensão de aspectos significativos da questão ideológica, não obstante conclui que a questão da ideologia não pode ser efetivamente resolvida exclusivamente em seu âmbito.

Citemos ainda, a fim de elucidação, o posicionamento de editores portugueses, os quais se vêem como colonizadores e donos da língua portuguesa, e que por isso buscam adaptar textos de autores brasileiros, vistos como colonizados falantes de um dialeto do português de Portugal. E, também, a definição totalmente preconceituosa de variante–padrão que, em geral, prestigia a fala do grupo minoritário, no entanto de maior poder aquisitivo, e põe a margem do idioma outras variantes as quais sofrem os mesmos preconceitos sofridos pelos seus falantes. Assim, citados estes dois exemplos, concluimos que a leitura do capitulo quinze da obra do professor Konder leva-nos então a compreensão de que a influência da ideologia na construção do conhecimento é facilmente percebida na linguagem, seja pela característica convencional do signo lingüístico, seja pela tentativa de definição de termos lingüísticos ambíguos tal qual língua e dialeto ou pela preponderância de determinada variante de uma língua sobre outras.



Por David Luz

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